Semana passada, nos dias 15 e 16, estive em Fortaleza a convite
de associações de moradores, entidades de defesa de direitos humanos e
ativistas pelo direito à moradia para visitar comunidades que estão
sendo afetadas por obras relacionadas à Copa do Mundo de 2014. Nos dois
dias de visita, tive a oportunidade de conversar com moradores de nove
comunidades e ver de perto a situação em que se encontram. Na
sexta-feira, visitei quatro comunidades ameaçadas de remoção por conta
das obras do VLT (o veículo leve sobre trilhos, apelidado em Fortaleza
de “vai levando tudo”). No sábado, visitei ainda a comunidade do Poço da
Draga e o bairro do Serviluz, que serão afetados por projetos de
urbanização da orla – o Acquário do Ceará
e a Aldeia da Praia, respectivamente; e também as comunidades
Jangadeiro e João XXIII e a Trilha do Senhor. Além das visitas,
participei de uma audiência pública na Câmara Municipal de Fortaleza e
de um debate no auditório da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Ceará.
É importante lembrar que Fortaleza tem mais de 600 comunidades que
surgiram a partir de ocupações de baixa renda. Os moradores destas
comunidades, sem garantia da segurança da posse, constantemente veem
ameaçado o seu direito de permanecer onde estão. Quando se trata de
comunidades localizadas em áreas muito bem servidas de infraestrutura,
perto do centro e de áreas de maior renda, a situação é de uma
vulnerabilidade ainda maior. Ou seja, a combinação da insegurança da
posse com o fato de serem comunidades de baixa renda localizadas em
frentes de expansão imobiliária tem feito dessas comunidades focos
preferenciais para a passagem de obras como a do VLT ou mesmo de
projetos de urbanização que retiram a população desses lugares.
Nas conversas que fiz com os moradores das comunidades, dois pontos,
em especial, me chamaram a atenção: a falta de informação e de canais de
diálogo com o poder público e a forma como estão sendo feitos os
reassentamentos. Ouvi muitos relatos especialmente sobre os locais de
reassentamento. Segundo os moradores, em geral, estão sendo oferecidas
alternativas de moradia em locais muito distantes do original.
Uma senhora que tem um filho com deficiência – que, portanto, precisa
de tratamento médico constante e de fisioterapia – disse que o conjunto
habitacional que o poder público apresentou como alternativa à atual
moradia fica num lugar muito distante do atual, sem transporte público
fácil. Muitos idosos também se disseram preocupados com esta questão.
Morando há décadas na mesma comunidade, muitos não sabem, por exemplo,
como darão continuidade a seus tratamentos de saúde se tiverem que morar
em locais distantes, onde não existem postos de saúde, nem rede de
transporte público. Também ouvi relatos sobre conjuntos habitacionais
que estão sendo construídos em aterros sanitários ou em locais onde
funcionaram lixões, como é o caso de um conjunto que ficará muito
próximo do antigo lixão do Jangurussu.
A falta de informações, de conhecimento dos projetos e de canais de
diálogo com o poder público é também uma constante em todas as
comunidades. Sem nenhuma conversa prévia, de repente, um morador acorda
de manhã cedo e vê pessoas medindo e marcando sua casa, sem saber o que
se passa.
Além disso, mudanças recentes no plano diretor municipal dificultaram
ainda mais a situação dessas comunidades. Com essas mudanças, propostas
pelo Executivo, foram retirados das áreas de Zeis (Zona Especial de
Interesse Social) os imóveis vazios próximos às áreas onde estão
comunidades que foram definidas como Zeis para que pudessem ser
urbanizadas e consolidadas. Ou seja, nestas áreas, agora, será ainda
mais difícil transformar imóveis vazios em habitação de interesse
social. E nas proximidades de muitas das comunidades que hoje estão
sendo removidas existem muitos terrenos e imóveis vazios que poderiam
ser reutilizados e servir de alternativa de moradia a essas pessoas.
Apesar do quadro preocupante, fiquei feliz em ver que existe uma
pluralidade de atores sociais – organizações, movimentos populares,
ONGs, associações de moradores, universidades, defensores públicos,
parlamentares etc – articulados em torno dessa questão, tentando de
alguma forma encontrar saídas para as comunidades que já estão sendo ou
que serão afetadas. Uma das comunidades que visitei na sexta-feira, a
Aldaci Barbosa, por exemplo, obteve uma grande vitória
junto ao Governo do Estado: discutindo o projeto, que previa a remoção
de toda a comunidade por conta das obras do VLT, os moradores
conseguiram alterar vários pontos e com isso o número de famílias a
serem removidas foi bastante reduzido.
Não tive a oportunidade de conversar com a Prefeitura de Fortaleza e
com o Governo do Estado do Ceará. Tentei agendar reuniões com
antecedência, mas não tive sucesso. Infelizmente, o que eu vi na capital
cearense se enquadra no mesmo padrão de violação de direitos que vem
ocorrendo em outras cidades-sede da Copa do Mundo que já tive
oportunidade de visitar.
FONTE: Blog da Raquel Rolnik
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